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Pró-reitor defende coexistência da ciência e do saber popular

  • Publicado: Terça, 15 de Abril de 2014, 00h00
  • Última atualização em Terça, 15 de Abril de 2014, 00h00

O pró-reitor de Extensão da Universidade Federal do Pará, Fernando Arthur Neves, defende a coexistência harmoniosa entre a sabedoria popular da Amazônia e o saber científico produzido na região. Esse é o tema da entrevista especial concedida pelo pró-reitor à edição de abril da Revista Amazônia Viva, disponível aqui. O Portal da UFPA reproduz a entrevista a seguir.

O saber científico e seu papel no desenvolvimento de novas tecnologias é um tema recorrente na Universidade. No entanto ainda é recente a valorização da sabedoria popular ou tradicional tão presente em comunidades ribeirinhas e em populações indígenas da Amazônia.

Por esse motivo, o 6º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária (CBEU) apresenta o tema “Diálogos da Extensão: saberes tradicionais e inovação científica” para o centro das atenções. O evento será promovido entre os dias 19 e 22 de maio, na Universidade Federal do Pará (UFPA), e pretende reunir pesquisadores e estudantes de todo o país, em torno de atividades voltadas à extensão universitária. Saiba mais aqui.

Doutor em História Social, o professor Fernando Arthur de Freitas Neves acredita ser uma honra e um desafio organizar o congresso pela primeira vez na Região Amazônica. Na entrevista a seguir, ele defende a importância do contato direto entre a sociedade e a pesquisa acadêmica e apresenta sua experiência de quatro anos e meio à frente da Pró-Reitoria de Extensão (Proex).

- Professor, como se deu a escolha do tema “saberes tradicionais e inovação científica” para o próximo Congresso Brasileiro de Extensão?  Qual é a sua importância para a Amazônia?

"Quando apresentamos o tema ao Fórum de Pró-Reitores de Extensão (Forproex), tínhamos como objetivo estimular um debate que unisse questões ligadas à nossa região e às discussões, cada vez mais recorrentes, relacionadas à noção de ciência. Isso nos levou a pensar que a extensão universitária é um espaço muito rico para se tomar contato com experiências de outras formas de saberes. Assim, chegamos à proposição de diálogos entre os saberes tradicionais e a inovação científica. Essa escolha é também para que percebamos que um tipo de conhecimento, às vezes, considerado como senso comum carrega muita sabedoria. E que, quando a investigação científica se debruça sobre ele, pode identificar diversas propriedades a serem incorporadas ao cotidiano da maioria da sociedade."

- O senhor acredita que exista uma diferença clara entre esses conhecimentos?

"Existe certo limite, mas um pode passar ao outro. Em larga medida, muitas coisas que nós temos como senso comum hoje, antes, podem ter sido consideradas ciência ou, pelo menos, parte de um saber científico. Hoje, é evidente que partos se façam em hospitais, por exemplo, mas, há algum tempo, esta era uma atribuição apenas das parteiras e muito do que se aprendeu sobre isso foi graças a essas mulheres. Por esse motivo, é importante revisitar e apreender seus conhecimentos. Outro exemplo importante é a questão da construção dos barcos que navegam na Amazônia. Existe uma experiência secular dos mestres construtores de embarcações na região. A Engenharia Naval precisa aprender o que eles desenvolveram de tecnologia capaz de ser reproduzida e incorporada."

- Há, também, a incorporação de saberes acadêmicos pelas comunidades tradicionais?

"Cada tipo de conhecimento pode aprender um com o outro. A via de mão dupla é exatamente o que nós estamos propondo a partir do diálogo. Nosso objetivo principal é romper com o preconceito. Se nós observarmos com cuidado, veremos que não é verdade a ideia de que os saberes tradicionais é que possuem preconceito. O mais difícil é fazer com que o conhecimento acadêmico reconheça a importância e a autoridade que os conhecimentos populares detêm."

- Como tem se dado esse debate especificamente na Região Amazônica?

"Ainda não temos um debate de forma sistemática, com encontros regulares, definições de prioridades e tratamento dos problemas específicos. Um exemplo disso é a produção de farinha, parte importante da dieta dos paraenses. É preciso fazer com que a relação entre os que produzem, os que consomem e os que estudam essa produção seja mais próxima. Para que, assim, os benefícios do cultivo da mandioca não fiquem reduzidos à farinha, mas desenvolvam a geração de outros produtos. A experiência das erveiras da Amazônia também é um exemplo interessante. Existem, hoje, na UFPA, algumas práticas regulares dos cursos de Farmácia e Química, a partir dos pesquisadores Wagner Barbosa e Marcos Valério Santos da Silva, que têm desenvolvido produtos importantes a partir do contato com o conhecimento das erveiras. Um dos resultados é o uso da fitoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS). Da mesma forma, podemos destacar o uso de produtos naturais na produção de cosméticos. Portanto, existem já formas diversas de cooperação. A ideia do tema “Diálogos da Extensão” vem para criarmos fóruns sistemáticos e encontros entre os cientistas e os mestres do saber popular para tornar mais dinâmica e continuada essa relação."

- O tema “inovação científica” é muito relacionado à pesquisa científica. Como o contato direto da ciência com a sociedade, missão inerente à extensão universitária, se relaciona com ele?

"A inovação científica é uma cultura para qual o Brasil está despertando recentemente. Essa mudança é extremamente necessária. No caso da extensão universitária, devemos fazer com que a tecnologia desenvolvida na universidade seja apropriada totalmente pela comunidade. Existe hoje, no País, por exemplo, um incentivo grande ao agronegócio por parte do governo, à monocultura. Um formato distinto da agricultura familiar. É importante que a sociedade entenda que existem várias alternativas que não só a produção em larga escala que inviabiliza outras formas de vida.  De que maneira podemos incentivar essas alternativas? Por meio da inovação científica. A extensão tem como característica o estímulo ao diálogo para que ocorra a produção dessas novas tecnologias."

- O senhor exerce o cargo de pró-reitor da UFPA desde 2009. Quais pontos dessa vivência o senhor destacaria?

"Encontramos a instituição em um elevado grau de organização. Nossa missão era dar continuidade aos trabalhos no campo da extensão. Para isso, criamos dois mecanismos, que acredito serem importantes. O primeiro é o Edital de Eixo Transversal, que permite o desenvolvimento de projetos interdisciplinares. Isso ocorre a partir da escolha de um tema que vigora o ano inteiro. Este ano, a temática é “direitos humanos e tecnologia”. O outro é o Edital Navega Saberes, que pretende estimular trabalhos relacionados ao uso de novas tecnologias e à divulgação científica, pois o conhecimento produzido na Amazônia ainda chega de forma difícil às pessoas. O principal desafio da extensão é encontrar formas de alcançar e suprir as demandas que a sociedade tem em relação à Universidade."

- Quais são suas expectativas para o congresso a ser promovido na UFPA?

"É uma honra para a UFPA e para essa Pró-Reitoria, em especial, receber o 6º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária. A expectativa é que tenhamos cerca de mil trabalhos apresentados sob a forma de mesa-redonda, comunicação oral e oficinas. Nesse congresso, além da discussão acadêmica, há, também, uma mostra do que se faz hoje no Brasil, na área da extensão. O objetivo é que os produtos desenvolvidos nesse campo sejam mais rapidamente apropriados pela sociedade e possam servir de insumo à elaboração de políticas públicas. Um caminho que vem se tornando cada vez mais evidente é a questão da tolerância e a busca por uma sociedade multicultural, que respeita a diversidade sexual e é capaz de conviver com diferentes experiências religiosas. Trabalhos nesse sentido têm sido desenvolvidos no País inteiro. Há um panorama vasto de proposições e intervenções pedagógicas nas escolas que promovem reflexões que fortalecem uma cultura de solidariedade. Na UFPA, por exemplo, temos o projeto da professora Kátia Mendonça sobre a cultura de paz. Precisamos incorporar a cultura de paz definitivamente à nossa educação."

Texto: Abílio Dantas – Revista Viva
Foto: Roberta Brandão

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